Meu pai fez 60 anos dia 30 de setembro. Resolvemos fazer uma viagem em família pra comemorar essa data tão emblemática e Peru foi o destino escolhido.
Há algum tempo venho querendo ter mais experiências em terras latino-americanas, pensei em inclusive escrever sobre a nossa dificuldade como brasileiros em nos identificar de fato como nossos hermanos latinos. Por conta disso, já me imaginei escrevendo artigos e pensamentos soltos sem muito embasamento teórico sobre o tema.
Porém, não é sobre isso que quero discorrer aqui. Como boa millenial, filha de internet discada e loongos posts em blogs pessoais, de blogspot à fotolog, achei que seria interessante voltar a esses momentos de compartilhar a jornada interna com conteúdo de viagem.
Se você olhar meu currículo hoje verá que tem apenas uma menção a minha formação universitária. Eu sou pós graduada em marketing e comunicação e sou formada em moda pelo SENAC.
Faz algum tempo (pelo menos uns 6 anos) que não trabalho diretamente com moda. A verdade é que sempre fui agência e moda esteve muito presente ao longo da minha carreira, mas confesso que nos últimos anos falar da minha formação me incomodava.
Quase como uma culpa de ter escolhido um curso que não me representa mais, e um medo de ser não ser vista a partir das minhas competências naquilo que hoje é o que me identifica. Digital, comunicação, conteúdo.
É engraçado porque durante o período da faculdade falar que fazia moda era algo que me enchia de orgulho.
"Moda é a segunda maior indústria do mundo", "moda é arte, expressão, é falar sem abrir a boca". Achava incrível ter dados sobre a indústria, mercado, mostrar para aqueles que me subestimavam a complexidade e relevância da área.
Acontece que me desiludi. Cansei do mercado, cansei da forma de trabalhar com moda no Brasil, e a medida que fui adentrando outros universos fui criando uma rejeição proporcional a tudo que tinha literalmente me formado.
Afinal, foi a partir da "moda"que me tornei o que sou.
Corta pra viagem, depois de um dia andando, subindo em pedras e completamente sem ar, nossa última parada antes de voltar pro hotel era em Chinchero.
Já muito cansada, e meio sem interesse, disse pra mim mesma que seria algo rápido, e que não compraria nada.
Mas afinal, o que é o Chinchero?
As atuais cidades de Chinchero, bem como as de Ollantaytambo e outros lugares, estão localizadas em antigas aldeias pré-hispânicas. Chinchero estava na estrada que nos tempos dos incas levava direto a Machu Picchu. Lá, existem ateliês colaborativos de famílias que vivem da renda de produtos têxteis artesanais feitos e vendidos no próprio lugar.
E aí, o que realmente me pegou (além do fato de serem maioria mulheres, mantendo a cultura local por séculos, chefiando famílias e fazendo um trabalho milenar, primoroso e trabalhoso) foi o processo.
Foi a partir de uma narrativa, de uma explicação de um processo meticuloso e genial é que me conectei comigo. Mais especificamente com a menina de 19 anos que era fã do universo têxtil que existe desde que o mundo é mundo.
Diferente da indústria e do mercado, o importante em chinchero é manter a técnica viva, pulsante.
Foram cerca de 20 minutos de explicação, começando pela matéria prima (pêlo de lhama e alpaca), passando pelas técnicas de produção do fio, coloração e por fim a tecelagem.
Confesso que eu quase chorei ouvindo e vendo o passo a passo daquilo.
No momento não conseguia direito entender da onde aquela emoção toda vinha, nem porque.
A verdade é que me distanciei de tudo que aprendi. Não queria fazer parte de um universo tão explorador de trabalhadores e de recursos naturais. Estava cansada de ouvir e vender e falar de peças de roupa com conceito de criação.
Só que esqueci no meio disso tudo a importância cultural do vestir.
Cada cor, cada símbolo criado neste ateliê pode ser reconhecido em outras cidades, outras tecelagens e na época inca, como outra tribo.
A cultura é formada a partir de contextos. Nós criamos cultura. Somos representantes do nosso tempo. Nossa origem é datada, pautada também pela forma que nos vestimos.
Peru é uma explosão de cores. O tecido mais usado é feito a partir do animal mais reconhecido pela cultura inca e colonial também. O frio e o calor andam juntos, as peças traduzem o clima.
As cores são feitas a partir de plantas, fungos, fogo e água. Um poncho pode levar quase quatro meses pra ficar pronto.
Isso pode ser chamado de moda?
Voltei da viagem reflexiva. Finalmente entendi meu apreço por moda, no alto dos meus 19 anos. Meu distanciamento também.
Como fazer parte deste momento atual da "moda"ou melhor, da cultura do vestir contemporâneo?
A indústria, varejo e mercado, certamente tem suas questões. Acredito que se olharmos bem, conseguiremos ver além da globalização/industrialização.
É nesse caminho que quero seguir. Continuo acreditando que a forma como nos vestimos diz muito sobre o que queremos ser/passar pro outro e como sociedade.
Talvez o jeito de fazer parte disso seja voltando um pouco para história. Para o ritual de vestir, de entender o processo, de apreciar o trabalho, o tempo.
Saber da onde vem as coisas, como elas são produzidas e acima de tudo, a partir de que ponto de vista essa história é contada.
Meu mais sincero apreço e respeito as mulheres de Chinchero.
ps: comprei várias coisas.
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